sábado, 2 de abril de 2011

Formação e Aquisição de Conceitos Científicos da Cultura Corporal na Disciplina Escolar Educação Física

Por Antonio Leonan

O objeto de estudo é o trato com o conhecimento na disciplina escolar educação física. A formação e aquisição de conceitos científicos no trato com o conhecimento da cultura corporal nas aulas da disciplina escolar educação física é a delimitação do estudo. A questão central do estudo se estrutura da seguinte forma: quais os nexos internos (processo teórico-dedutivo do concreto) entre a formação (movimento no desenvolvimento histórico do conceito) e aquisição (interiorização – transmutação de ações interpessoais em intrapessoais) dos conceitos científicos da cultura corporal no trato com o conhecimento na disciplina escolar educação física?  O objetivo é identificar os nexos internos entre os processos de formação e aquisição dos conceitos científicos da cultura corporal nas aulas da disciplina escolar educação física, tendo em vista contribui para uma didática histórico-crítica na educação física.

Levantamos as hipóteses:

  1. A natureza histórico-social do conhecimento da cultura corporal carrega em si uma perspectiva de transformação de método de pensamento, pois o processo de produção dos conhecimentos da cultura corporal tem sua natureza determinada por formas diferenciadas de modo de vida, de organização social e de humanização, alguns com raízes ancestrais, que se diferem da experienciada no modo capitalista de produção da vida.
  2. A investigação dos nexos internos entre formação (movimento no desenvolvimento histórico do conceito) e aquisição (interiorização – transmutação de ações inter em intra psíquicas) dos conceitos científicos da cultura corporal, no trato com o conhecimento na disciplina escolar educação física, e sua codificação em enunciados de atividades corporais (EAC) que expressem a sua natureza histórico-social, pode possibilitar a “análise e abstração dos atributos essenciais do objeto como singularidade da generalização técnico-científica” (grifo nosso) (DAVYDOV, apud SAVIANI, 2003), orientado por “diferentes etapas do conhecimento e conforme as vias de generalização, que são basicamente três - 1) a generalização empírica elementar, 2) a generalizações pela análise e pela síntese, 3) a generalização científica[1], afirmando o ato de pensar na educação física como uma “reconstituição mental” do objeto (Idem, ibidem). “A transformação dos dados sensoriais pela atividade dá-se por meio das operações de análise, síntese, abstração e generalização – características peculiares ao nível mais desenvolvido do pensamento [...] teórico, também denominado científico [...] (Idem, ibidem)”.
Partimos do entendimento de que o objeto do currículo é a elevação do pensamento teórico. Entendemos que ao se apropriar dos conhecimentos da cultura corporal, os sujeitos tem a possibilidade de compreender o mundo das atividades corporais em perspectivas não utilitaristas, portanto, se apropriam, por exemplo, da capoeira, como um elemento da cultura corporal, que possui uma série de símbolos, signos e significados históricos, sociais, políticos; como uma atividade corporal humana que nasce a partir de necessidades essencialmente humanas, por exemplo, a necessidade de resistir a opressão da escravidão do homem pelo homem. Ao pensar à luz da cultura corporal o estudante se apropria de um dos conteúdos universais humanos dos mais significativos e ricos simbolicamente.

A compreensão sobre a possibilidade de pensar a partir das atividades corporais, os indivíduos alteram a sua forma de compreender o mundo e as coisas, assumindo uma posição diferenciada como ser humano. Entender a manifestação da cultura corporal buscando identificar os nexos entre a atividade prática de jogar capoeira e suas relações com o mundo e a vida, possibilitará saltos qualitativos com relação à visão de mundo - um olhar para o mundo buscando as suas relações com a formação corporal da população.
             
Memorizar, analisar, comparar, sintetizar, generalizar, são funções psicológicas superiores. O desafio da educação física na escola é criar as condições para que as atividades corporais potencializem estas funções cognitivas. A idéia de codificação de categorias de conteúdo em enunciados de atividades corporais (EAC), a partir dos códigos, símbolos e signos que expressem as regularidades no campo da cultura corporal, pode criar as condições de possibilidade para a clarificação do processo de formação e aquisição do pensamento teórico da cultura corporal no interior da escola, nas aulas de Educação Física, a partir de sua especificidade – “um conjunto de atividades corporais construídas histórico-socialmente, com sentidos lúdicos, estéticos, artísticos, agonistas, competitivos ou outros, relacionados à realidade, às necessidades e as motivações do homem” (ESCOBAR, 1992). 

Aspectos metodológicos

Para realizar aproximações ao problema referente aos processos de formação e aquisição dos conceitos científicos no trato com o conhecimento da cultura corporal na educação escolar, proponho uma metodologia experimental, definida como experimento processual didático[2], a ser realizado numa escola pública de Salvador-BA, com uma turma regular da disciplina educação física, no sentido de aproximar o máximo a pesquisa do cotidiano escolar. Estruturaremos o experimento em duas unidades didáticas. O experimento terá como foco a compreensão inicial das relações entre o conhecimento da cultura corporal cotidiana e o conhecimento da cultura corporal não cotidiana, especialmente o conhecimento científico, na prática pedagógica da educação física, tendo como objetivo localizar categorias de conteúdo (nexo) entre estas duas dimensões do conhecimento. A perspectiva é que, compreendendo as relações entre cotidiano e não cotidiano, e abstraindo categorias de conteúdo a partir da especificidade  do conhecimento de que trata a educação física, identifique-se os nexos internos (processo teórico-dedutivo do concreto) entre formação e aquisição de conceitos da cultura corporal na prática pedagógica da educação física escolar. Para a construção do experimento, utilizarei as orientações metodológicas desenvolvidas pelo Psicólogo Russo Lev S. Vigotski (2000) com relação à elevação do pensamento científico em escolares[3].



 [1] As “diferentes etapas do conhecimento e conforme as vias de generalização, são basicamente três: 1) a generalização empírica elementar – própria dos estágios iniciais de conhecimento, segue o caminho do particular ao geral (indução), consiste na comparação e classificação das propriedades comuns dos objetos, obtidas de modo sensorial, e constitui-se em constatações empíricas, generalizações de nível inferior; 2) a  generalizações pela análise e pela síntese – própria do pensamento teórico, separa as propriedades substanciais das não substanciais e o geral do particular, passando da análise à abstração e da abstração ao mental concreto (síntese) e consiste na revelação das ‘conexões necessárias e normas dos fenômenos; 3) a generalização científica – própria do pensamento científico-teórico, consiste na revelação das propriedades intrínsecas e substanciais dos fenômenos pela união da análise e da abstração, não é simplesmente seleção, é transformação do diretamente dado; procede à exclusão das ‘circunstâncias acessórias que complicam e mascaram a essências dos fenômenos’, e constitui-se em ‘dedução teórica’, efetuada ‘por um movimento de encontro que vai do geral ao particular e do particular ao geral” (DAVYDOV, apud SAVIANI, 20
03).
[2]Metodologia que venho sistematizando a partir de experimentos realizados em minhas aulas de educação física na escola púbica.

[3] Para Vigotski, o objetivo da experimentação é completamente diferente dos experimentos realizados para a quantificação de respostas e elaboração de inferências sobre as relações de causa e efeito. Pelo contrário, “os princípios de sua abordagem básica não surgem puramente da crítica metodológica às práticas experimentais estabelecidas; eles derivam de sua teoria da natureza dos processos psicológicos superiores e da tarefa árdua de explicação científica, em psicologia. Se os processos psicológicos superiores surgem e sofrem transformações ao longo do aprendizado e do desenvolvimento, a psicologia só poderá compreendê-los completamente determinando a sua origem e traçando a sua história. [...]. Várias são as implicações da abordagem teórica e do método experimental de Vigotski. A primeira é que os resultados experimentais podem ser tanto quantitativos como qualitativos. Descrições detalhadas, baseadas em observações cuidadosas, constituem uma parte importante dos achados experimentais. Para alguns, esses achados poderiam parecer meramente anedóticos; para Vigotski, no entanto, tais observações, se realizadas objetivamente e com rigor científico, adquire status de fato confirmado. Uma outra conseqüência dessa nova abordagem experimental é a ruptura de algumas das barreiras tradicionais entre os estudos de ‘laboratório’ e de ‘campo’. Dessa forma, a observação e a intervenção experimental podem ser executadas numa situação de brinquedo, na escola ou num ambiente clínico, freqüentemente tão bem quanto ou melhor do que no laboratório. [...], ao invés do método clássico, um método experimental que procura traçar a história do desenvolvimento das funções psicológicas alinha-se melhor com os outros métodos históricos nas ciências sociais – incluindo a história da cultura e sociedade ao lado da história da criança. Para Vigotski, os estudos antropológicos e sociológicos era coadjuvantes da observação e experimentação do grande empreendimento de explicar o progresso da consciência e do intelecto humanos” (COLE, 2000).

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