quinta-feira, 16 de junho de 2011

Bom dia. A indústria têxtil no Haiti foi citada várias vezes durante as aulas - sempre em relação ao falecido vice-presidente José Alencar. Ontem li uma matéria numa revista alemã. Achei interessante e traduzi.

Despachos secretos

EUA mobilizaram contra salário mínimo em Haiti

Diplomatas a serviço da economia: Trabalhadores da indústria têxtil de Haiti deveriam receber um salário mínimo de cinco dólares por dia. Mas, nada feito. Despachos secretos da embaixada revelam que os EUA exerceram pressão maciça à política do estado insular, para muitos empreendedores um paraíso de salários baixíssimos.

Hamburgo - A lei deveria melhorar a vida dos trabalhadores na indústria têxtil de Haiti. Em maio de 2009 uma grande maioria no parlamento decidiu a elevação do salário por hora, de 22 a 62 centavos de dólar, garantindo um salário mínimo de cinco dólares por dia. Mas, o então presidente do estado insular, René Préval, negou a sua assinatura. A lei não entrou em vigor. Poucos meses depois vários deputados também voltaram atrás.

Como aconteceu esta reviravolta abrupta? Os despachos da embaixada dos EUA, publicados pela plataforma WikiLeaks e em posse de Spiegel-Online fornecem uma possível explicação. Segundo os despachos os EUA fizeram campanha contra o plano da elevação significativa do salário mínimo.

Os despachos, em parte classificados como “sigilosos”, demonstram a posição contrária da embaixada dos EUA em Port-au-Prince ao salário mínimo planejado. “A lei do salário mínimo não respeitou a realidade econômica, mas focou os desempregados e as massas sub-remuneradas”, informou um funcionário da embaixada a Washington em outubro de 2009. Nesta época, a proposta da melhor remuneração, planejada originalmente, já tinha sido retirada.

O despacho via cabo parece um ajuste de contas com os defensores do salário mínimo. A proposta de lei teria sido simplesmente “populista”. O salário mínimo seria uma ameaça à economia de Haiti. Fala-se também de "reações negativas de investidores estrangeiros".

E, mais picante: Grandes empresas de vestuário dos EUA, como a Levi´s, produzem através de subempreiteiras camisetas, pullovers e cuecas baratos nas fábricas haitianas. Salários baixos e um acordo de comércio livre possibilitam uma produção em massa barata para o imenso mercado entre Nova York e São Francisco.

Intercâmbio sobre Salário mínimo

Nos despachos não aparecem nomes de empresas têxteis dos EUA. Mas, muitas vezes pode-se ler sobre encontros de empresas têxteis de Haiti com o presidente e vários deputados do país. A indústria têxtil com 25.000 trabalhadores é um dos poucos segmentos industriais de Haiti e, ao mesmo tempo, a área mais importante para a exportação que possui um lobby poderoso.

O fabricante Levi`s dos EUA nega qualquer forma de influência: “Nós podemos dizer claramente: Levi Strauss & Co. não fez nenhuma intervenção contra uma elevação do salário mínimo junto ao governo haitiano, nem contratamos alguém para agir neste sentido", comenta um registro no Blog da empresa. Há muito tempo a empresa teria intercedido para os direitos dos trabalhadores haitianos. Assim, teria apoiada a primeira representação independente de trabalhadores na indústria de vestuário haitiano e, em 2003, teria doada quase 1 milhão de dólares a ONG´s haitianos.

Os despachos documentam que houve um intercâmbio entre representantes da embaixada dos EUA e o presidente haitiano Préval sobre as manifestações de estudantes a favor do salário mínimo. Préval foi citado em um despacho via cabo: “Não negocio com manifestantes”. O presidente teria parecido “teimoso”.

Obviamente, os diplomatas dos EUA tiveram a preocupação que os protestos do salário mínimo desta época poderiam crescer e provocar uma séria crise. Uma iniciativa mais forte de Préval contra o salário mínimo aumentaria a desestabilização da paisagem política, informou a embaixada. “Um engajamento mais obvio e ativo de Préval deve ser classificado como crítico para a solução do assunto do salário mínimo e, portanto, dos protestos relacionados.”

O desenvolvimento dos protestos é protocolado detalhadamente

O acontecimento em volta da exigência do salário mínimo é informado detalhadamente a Washington. A “intransigência” de alguns defensores do salário mínimo no parlamento é protocolada, assim como os protestos de estudantes haitianos a favor do salário mínimo. Tudo é captado - do número de manifestantes às exigências escritas nas faixas e aos danos provocados pelos estudantes furiosos.

E a embaixada fornece ao ministério das relações exteriores também uma explicação para os dias de poucos protestos: “Tradicionalmente os haitianos não protestam nas férias, com tempo ruim, nos finais de semana e quando há grandes jogos internacionais de futebol.”

Mesmo um salário mínimo de cinco dólares por dia não seria muito, levando em conta a miséria após o devastador terremoto na ilha caribenha e em tempos de explosão dos preços dos alimentos. Em maio de 2011, em alguns dias, um quilo de arroz custava até três dólares nos supermercados de Haiti. E uma galinha inteira oito dólares.

Mesmo assim, os EUA pressionaram e propagaram prognósticos sombrios em 2009. O departamento para a cooperação do desenvolvimento dos EUA publicou estudos prometendo a falência da indústria têxtil, caso o salário mínimo, originalmente exigido, fosse implementado.

Afinal, o projeto de um salário mínimo maior foi por água abaixo. O presidente Préval teria alertado intensamente contra as consequências de salários maiores e, segundo as informações de WikiLeaks, representantes da indústria haitiana de vestuário teriam encontrados deputados por várias vezes. Um dos despachos diz que os adeptos do salário mínimo acusariam deputados “vira-casaca” de corrupção.

Mas, tanto faz como aconteceu esta mudança de opinião no parlamento: em agosto de 2009 houve uma nova votação sobre o salário mínimo. Decidiu-se uma proposta de meio-termo, seguindo as idéias de Préval: ao invés dos cinco dólares, originalmente planejados, os trabalhadores têxteis receberam apenas três dólares por dia.

[de: Spiegel Online - Wirtschaft - 15/06/2011, Tradução: Lutz Mulert Sousa Ribeiro]

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